Que prazer participar desse projeto na curadoria! Grata pela parceria! Segue o texto:
MATRIZ COLETIVA
Matriz é substantivo feminino, palavra fêmea e fértil. Significa útero, fôrma, fonte, fundamento, princípio, manancial. Molde a partir do qual uma peça é fundida. Gravação original feita para ser copiada e reproduzida. Palavra que tem lugar em territórios e disciplinas variados: jurídico, religioso, figurado, tecnológico, botânica, veterinária, matemática, biologia, gráfica, informática – que em si contém a diversidade.
Nomear um coletivo de Matriz já é um enunciado. Organizado durante a pandemia, esse coletivo é uma reação ao desafio de se manterem criativas e produtivas na quarentena. O isolamento afetou sensivelmente os artistas-gravadores, habituados ao ambiente coletivo e acolhedor de ateliê. E assim como o princípio feminino responde pela perpetuação da vida, a união dessas três gravadoras foi (é) resposta a um chamado de sobrevivência: a sina de perseverar na criação, a resistência de teimar na vida, mesmo em momentos adversos e ambientes contrários.
Essa tenacidade é percebida nas obras das três artistas, cada uma em seu modo particular de lidar com o viver e o criar. Na gravura de Vanessa Guida, há um intimismo delineado pelo aquoso, uma submersão suficiente para tocar emoções profundas sem perder de vista a luz da atmosfera acima. As transparências são o recurso escolhidos pela artista para trazer cor e leveza para a sintaxe gráfica. De maneira sutil Guida toca o universo fantástico, terreno que Bárbara Sotério domina guiada por um grafismo de acento expressionista. O diálogo com a mitologia é o espaço para reflexão sobre a relação do ser humano consigo, com o outro e com o mundo. De um ponto de vista essencialmente feminino. Na interação com a matriz, seja de qual matéria for, a energia dos traços é pura eletricidade: os seres de Sotério vibram. As figuras de Luana Xavier também são vibrantes, mas de uma outra natureza. O gesto xilográfico da artista desliza numa sinuosidade decidida, como de uma força telúrica contornando obstáculos. Os braços e gestos das mulheres de Xavier são grandes e vigorosas como suas árvores, que resistem e renascem em seus traços impetuosos, confrontando a adversidade. A luz que suas goivas abrem vêm do fogo.
A Matriz Coletiva – Bárbara Sotério, Luana Xavier e Vanessa Guida – insere-se na tradição da gravura brasileira de que mulheres que elegem a gravura como meio expressivo são fortes. Múltipla e potencial, matriz é mulher.
Patrícia Pedrosa
Agosto de 2022